Para mais um capítulo da rubrica “À conversa com…”, o PortugalSub esteve à conversa com o três vezes Campeão Nacional de Pesca Submarina, membro da Selecção Nacional de 1994 a 2001, co-fundador de uma marca de equipamento de Pesca Submarina e Apneia e Pescador Submarino praticamente desde que possui memória.
Para João Cruz, 42 anos de idade, a Pesca Submarina corre-lhe no sangue, influências de seu pai Victor Cruz, também ele pescador submarino na sua época, que passou ao João o amor e conhecimento por esta modalidade que marcou e marca a sua vida.
O João Cruz embarcou neste desafio e aceitou responder a algumas questões colocadas pelo PortugalSub e assim partilhar com todos nós alguns momentos marcantes da sua vida como Pescador Submarino.
Como e quando começou a história do João Cruz na Pesca Submarina?
O meu pai foi um dos melhores caçadores do seu tempo, logo tive o privilegio e a sorte de poder acompanha-lo e aos seus amigos que eram também eles os melhores da altura. Comecei muito cedo a mergulhar em apneia, e apanhei o meu primeiro peixe (tainha) com 6 anos nas ilhas do Martilhal, em Sagres.
O que seduziu o João para enveredar pela Pesca Submarina de competição?
Fui barqueiro do meu pai durante vários anos, e quando ele se retirou trocamos de posição, ele passou para o motor e eu para a água. Aprende-se muito também fora de água observando uma prova de Pesca Submarina.
Qual, quando, e como decorreu a sua primeira prova oficial na modalidade?
Foi em 1991 com 17 anos em Sesimbra. Lembro-me que na primeira meia hora nem conseguia mergulhar mais de 20/30 segundos tais eram os nervos, mas aos poucos fui-me esquecendo que estava em prova e acabei por ganhar essa jornada.
Como se preparava o João antes de uma prova importante?
Nunca fui muito esmerado nesse campo, nos meus melhores anos de forma, talvez 2000 e 2001, corria e fazia um pouco de bicicleta, mas acima de tudo estava sempre dentro de água.
Pedíamos ao João para descrever o que sentiu na primeira vez que representou Portugal numa competição internacional e qual foi essa competição?
Foi logo num campeonato do mundo e bem longe de casa, em 1994 no Peru. Fomos três miúdos, eu o Rui Torres e o Luis Paixão a acompanhar o confirmadíssimo Antonio Silva (Toninho) que já sabia bem o que andava a fazer e fez um belo campeonato. Para nós foi incrível, estar ali com 20 anos lado a lado com os nosso ídolos de sempre (Mazzari, Amengual, Carbonel, etc). Desportivamente a estreia não foi má, ficámos no primeiro terço da classificação individual, para uma primeira prova e num mar totalmente diferente do nosso não foi nada mau, eu e o Rui éramos os dois mais novos em prova.
Dos três títulos nacionais conquistados pelo João, 1997, 2000 e 2001, qual destacaria e porquê?
Bem, o primeiro é sempre especial, a sensação de um sonho realizado aos 23 anos é imbatível. Desportivamente, o último que ganhei em 2001, com provas em Sagres e Peniche, foi fantástico. No primeiro dia em Sagres tinha dois meros marcados, e mesmo com a ausência destas peças, consegui manter-me motivado e andar sempre em cima do peixe tendo no final pontuado 40 peixes. No segundo dia de prova duríssima nas paredes do Cabo S.Vicente, onde sabia que o Jorge Grave iria rebentar com a escala, comecei bem com um pargo semea de 3 kg e a partir dai mantive-me muito concentrado e motivado conseguindo de novo ganhar a segunda jornada. Sendo o Jorge o meu principal rival nesse ano, sabia que bastava gerir as coisas em Peniche para ganhar de novo, o que acabou por acontecer.
O João já participou em diversas competições nacionais e internacionais, pelo que gostaríamos de questionar que outros títulos destacaria da sua carreira de competição e porquê?
Nunca ganhei nenhuma prova importante fora de Portugal, mas tenho boas lembranças de varias provas, no Brasil, Grécia, Cabo Verde…com alguns bons lugares entre muitos campeões.
Qual foi o ponto alto da sua carreira de competição que considera ter atingido?
O titulo nacional de 2001, culminou 5 anos muito bons para mim em termos competitivos.
Qual foi a chave para ganhar os títulos que arrecadou ao longo dos anos em que competiu?
A gestão do dia de prova, entender rapidamente o quê e onde caçar mediante as condições do dia, muita vezes esquecer o reconhecimento e simplesmente improvisar.
O João Cruz subiu ao primeiro lugar do pódio nacional três vezes quando estava no Sporting Clube Portugal. Na opinião do João, qual é o papel de um clube no sucesso do atleta?
Foi muito importante, o Tony Bessone teve o mérito de conseguir reunir no Sporting, durante muitos anos, boa parte dos bons caçadores da nossa praça, tento conseguido um sem número de títulos por equipa. Havia muita camaradagem que mesmo sendo este um desporto individual vinha ao de cima. Aprendi muito com os mais velhos e com a competição, durante a prova havia troca de informação o que ajudava muitas vezes a decidir o que fazer.
À medida que o João foi crescendo na modalidade, calculamos que à semelhança de todos os jovens, teve os seus ídolos, quais foram eles? Teve a oportunidade de se cruzar com algum deles? Se sim, como foi esse encontro?
Claro, quando comecei os meus ídolos nacionais claro que era o meu pai, o Tony e o Zé Antonio Ribeiro. Lá fora o Amengual, Esclapez, Mazzari e Carbonel, felizmente tenho a maioria deles como bons amigos.
O João, devido à sua participação em provas internacionais e não só, já teve oportunidade de pescar em diferentes países, continentes e oceanos, pelo que gostaríamos que nos enumerasse alguns dos sítios que mais gostou de pescar, porquê, e os comparasse um pouco com a nossa costa.
O Peru foi um campeonato onde fui muito cedo, penso que mais tarde poderia ter feito uma prova bastante melhor, com um mar muito rico, com muita alga e vaga, cheio de marisco e focas. Águas sujas e frias mas com muito peixe de médio porte, não havendo nenhum peixe igual ao da nossa costa. Tenho óptimas memórias do Pacífico Peruano.
Nas águas nacionais, qual a zona preferencial do João para pescar e porquê?
Costa norte de Sagres, sítio com fundos belíssimos onde nos pode mesmo ainda hoje surgir um grande exemplar de qualquer espécie existente na nossa costa.
Qual é a técnica de pesca em que o João se sente mais confortável a executar?
Sempre tentei variar bastante o meu estilo de pesca, comecei por apostar muito na caça ao buraco, passei depois para a espuma e actualmente (embora a apneia já não seja a mesma) estou a redescobrir o agachon, pois nada me fascina mais que conseguir capturar peixes difíceis em zonas aparentemente pobres, perceber quando e como pode surgir uma boa peça numa zona aparentemente “morta”.
Qual a profundidade máxima que já pescou e qual a que se sente melhor a pescar?
Já capturei peixe aos 38 metros, mas quanto mais baixo mais confortável.
Gostaríamos que nos contasse um pouco da história do maior susto que o João já experienciou a praticar a modalidade e o que poderia ter feito para o evitar?
Sou bastante cuidadoso, pelo que não tive, felizmente, muitos casos de sustos. No entanto, quando tinha 20 e poucos anos, tive um lance com um mero em Sagres que ainda hoje me gela, após arpoar o peixe, a cerca de 24 metros, ele sai do buraco e volta a entrar passando-me por trás das costas deixando-me preso aos fios do arpão e carreto, valeu o sangue frio e a apneia que dava para muito na altura.
Qual é a espécie de peixe preferida do João para capturar e porquê?
Tem fases e épocas para tudo, robalos de inverno, douradas de verão e outono, sargos na primavera… tudo o resto vai aparecendo quando aparece.
Conte-nos um pouco da história da sua maior captura até aos dias de hoje.
A maior em Portugal foi um safio com 56 kg capturado na Carrapateira que teve pouca historia, tiro mortal e pouco mais. Algumas corvinas, entre 30 e 40 kg, tendo a maior delas sido em Sagres, no cabo. Estava no fundo quando vejo 4 peixes de rabo a nadar contra corrente junto ao fundo uns metros à minha frente, fui-me escondendo pelo fundo até estarem a tiro, atirei na que estava mais perto e que não era a maior, o peixe arrancou e cheguei cá acima nas últimas e com o carreto no fim. Na altura consegui passar a arma a um colega e descer com outra arma para rematar o peixe.
Conte-nos um pouco da história da captura que mais prazer lhe deu capturar, até aos dias de hoje.
Difícil isolar uma, nestes anos tive vários lances com douradas daqueles que ficam, alguns pargos dourados foram muito especiais, os meros eram peixes que sempre me fascinaram e me tiravam o sono para planear a abordagem de caça que lhes iria fazer, um deles demorei 4 anos desde a primeira vez que o avistei, até ao dia em que finalmente consegui arpoa-lo…
Com que frequência pratica a Pesca Submarina no seu dia a dia?
Actualmente muito menos que gostaria, 3 filhos com menos de 8 anos… está tudo dito! talvez 2 a 3 vezes por mês em média.
O João tem estado ausente do circuito competitivo, o que o levou a tomar essa decisão e quando a tomou? Alguma vez ponderou em voltar a competir?
Retirei-me em 2002 quando achei que a minha vida familiar, académica e laboral não eram mais compatíveis com o crescente nível de exigência dos campeonatos, e como nunca fui de entrar para participar, optei por me afastar. Ainda participei e poderei participar em algumas provas que se realizem em locais que me agradem, caso da Spearfishing Champions league (Grécia) onde participei com o meu amigo Henrique Borges por 3 vezes de 2003 a 2005. Claro que há dias em que sinto muita falta daquele felling.
Actualmente, qual é o papel desempenhado pelo João na marca de material de Pesca Submarina e Apneia Tarpon?
Eu e o Antonio somos os proprietários da marca que criámos em 2014. Eu, devido à minha experiência na utilização e comercialização de outras marcas, durante muitos anos, dedico-me mais ao desenvolvimento dos produtos e mercados externos e o Antonio à parte comercial e mercado interno.
O que levou o João e o António Pires a criar a Tarpon, em 2015, quando já existiam inúmeras marcas de material com grande experiência de mercado?
Nós fomos acompanhando e vendo as grandes marcas a deslocar a produção para a Ásia e a qualidade dos seus produtos a descer vertiginosamente. Algumas das marcas que representámos no passado seguiram também este caminho, por isso achámos que teríamos espaço para criar uma marca nova, apostada em ter produtos fiáveis, robustos e de boa qualidade, mais dedicados a pessoas que procuram uma qualidade superior. O marcado tem nos dado razão, quer em Portugal quer no estrangeiro.
A aceitação da marca por parte da comunidade tem sido a esperada?
Fazendo um ponto de situação hoje, e dado o pouco tempo que a marca tem no mercado, achamos que a aceitação está muito acima do que poderíamos esperar. Com isto têm surgido inúmeros problemas de ruptura de stock, já estamos presentes em 7 países fora de Portugal, tudo isto em pouco mais de um ano.
Como o João gostaria de ver a Tarpon daqui a uns anos em Portugal e no estrangeiro?
Gostaríamos de ver cada vez mais a Tarpon como uma marca global e uma opção a ter em conta quando alguém em qualquer lado do mundo for comprar material de Pesca Submarina e procurar qualidade a preço competitivo.
Como vê o João o panorama actual e futuro da Pesca Submarina em Portugal?
O futuro da Pesca Submarina, não só em portugal como em todo o mundo está sempre numa posição frágil, sempre fomos um alvo muito apetecível por parte de determinados sectores da nossa sociedade, a desinformação relativa ao real impacto do nosso desporto sempre foi usada de forma leviana para nos prejudicar, pelo que vejo com muito preocupação o futuro. Há que passar a mensagem que somos a forma de pesca mais selectiva e sustentável, que estamos rigorosamente regulados e que o nosso impacto é mínimo comparado com qualquer outro tipo de pesca.
Na opinião do João, temos bons pescadores submarinos em Portugal em bom número?
Felizmente temos uma geração fantástica que conseguiu vencer fora de portas, na senda do que os nossos antigos atletas foram semeando, culminando na vitoria de vários europeus e um mundial, algo que há alguns anos apenas sonhávamos. Há uma nova vaga de jovens a iniciar a modalidade o que me deixa esperançoso na renovação dos grandes atletas que temos actualmente.
Qual o principal problema, pelo ponto de vista do João, que impede o surgimento de mais jovens no circuito competitivo, que garantam a continuidade do mesmo?
A competição actualmente está mais fechada que nunca, não ha escalões de promoção, fica complicada a chegada de sangue novo, os troféus abertos eram uma porta de entrada no mundo da competição. Organizei vários troféus da linha de Cascais, onde chegámos a ter 120 participantes, muitos deles ficaram com o “bicho” e tornaram-se atletas de competição.
Qual a opinião do João relativamente às condições disponíveis aos pescadores submarinos, que temos em Portugal, quando comparamos com Espanha, por exemplo?
A diferença já foi maior, a grande vantagem será as condições de mar, especialmente no mediterrâneo onde se pode pescar praticamente todos os dias do ano, as muitas rampas públicas que há por toda a costa espanhola são uma vantagem.
Na sua opinião, qual é a principal qualidade que faz um bom Pescador Submarino?
Ser bom Observador.
Que conselhos e mensagem o João gostaria de transmitir a quem está a começar a Pesca Submarina?
Aprender a observar e só depois a caçar, não se preocuparem em sair muitas vezes sem nada na bóia, mais vale não apanhar nada do que trazer peixe pequeno ou não comestível. Respeitar o mar e os peixes, ser consciente e responsável no acto de caçar. Caçar sempre acompanhado e controlar o nosso parceiro na água.
A equipa do PortugalSub agradece ao João a sua disponibilidade para nos dar a conhecer um pouco mais de si e da sua ligação a esta modalidade de todos nós, através desta entrevista. Obrigado João Cruz.
Fotos do Mundial do Peru: José Sousa