À conversa com André Domingues

Para este capítulo de “À conversa com”, o PortugalSub conversou com o Pescador Submarino Campeão Nacional em título, tendo já conseguido este título por seis ocasiões, diversas vezes Campeão Nacional na modalidade de duplas, presença assídua na Selecção Nacional e seleccionado na equipa Nacional que se sagrou Vice-campeã do Mundo no XXIX Campeonato do Mundo de Pesca Submarina, em Lima no Peru.

André Domingues, 37 anos de idade e natural da Parede, define-se como ligado ao mar desde sempre sendo este que regula o seu dia-a-dia e permite complementa-lo profissionalmente, através da apanha de marisco. Pescador Submarino à cerca de 25 anos, André disponibilizou-se a conversar com o PortugalSub não hesitando em partilhar com toda a comunidade um pouco mais sobre quem é o Pescador Submarino André Domingues.

O que significa o mar na vida do André Domingues?

O mar sempre esteve presente na minha vida e é impossível separa-lo daquilo que eu sou. Muita da minha vida é regulado pelos seus ritmos.

Como e quando começou a história do André Domingues na Pesca Submarina?

Pescava à cana desde pequeno e comecei a mergulhar aos 12 anos e nunca mais parei. Mergulhava muito pouco ao início pois não tinha ninguém com quem mergulhar e não tinha fato mas lembro-me perfeitamente de ficar horas à espera que os pescadores submarinos saíssem da água para ver o que traziam consigo. Os meus Pais sempre me apoiaram muito naquilo que eu gostava de fazer e faziam um esforço enorme para me darem a possibilidade de eu mergulhar. Eles viam com certeza que eu gostava e felizmente ajudaram-me em tudo o que podiam.

Com que frequência pratica a Pesca Submarina no seu dia a dia?

Dependendo da altura do ano, das condições do mar e da minha disponibilidade mergulho sempre que posso. Há semanas em que mergulho 4 ou 5 vezes mas há outras em que infelizmente não consigo molhar o fato. Tenho a sorte de ter o meu barco dentro de água numa marina e sempre que possível vou pescar nem que seja 1 hora. Tenho uma licença profissional de apanhador de marisco e muitos dos dias são passados a apanhar percebe, bruxas e santolas.

Qual é a técnica de pesca em que o André se sente mais confortável a executar?

A técnica que utilizo varia de acordo com as condições do mar, visibilidade, maré e altura do ano. Assim sendo tento praticar todas não tendo nenhuma que estranhe.

Qual a profundidade máxima que já pescou e qual a que se sente melhor a pescar?

Já pesquei a mais de 40 metros mas é uma profundidade à qual não estou de todo habituado. Em Portugal continental são muito raros os dias que têm condições mínimas para pescarmos um pouco mais fundo e normalmente não passo dos 25 metros. Estive à pouco tempo pela segunda vez na Grécia para tirar um curso de Apneia com o Tasos Chalaris e com o Nicolaou Nicolaou para aprender a mergulhar um pouco mais fundo e aprendi bastante. Espero num futuro próximo poder praticar, aplicar e transmitir esse conhecimento.

Gostaríamos que nos contasse um pouco da história do maior susto que o André já experienciou a praticar a modalidade e o que poderia ter feito para o evitar?

Não me lembro de nenhum susto pelo qual tenha passado. Talvez os maiores estejam relacionados com embarcações que não respeitando a sinalização passaram demasiado perto e rápido de mim quando eu estava a mergulhar. Tive e ainda hoje tenho algumas situações que são pouco confortáveis devido a variados factores, quer estejam relacionadas com a força do mar, correntes fortes ou mergulhar em locais afastados de terra com visibilidades reduzidas.

Qual é a espécie de peixe preferida do André para capturar e porquê?

Nenhuma. Dependendo do local onde mergulhe há espécies que tento pescar e que me dão um enorme prazer em apanhar. Os encontros com corvinas sobretudo quando grandes continuam a ser marcantes, assim como com robalos, pargos, douradas, lírios, cavalas da índia… a lista não acaba.

Conte-nos um pouco da história da sua maior captura até aos dias de hoje.

O maior peixe que já apanhei foi uma corvina que se não estou em erro tinha quase 47kg. O dia estava duro com algum vento, mar e visibilidade reduzida. Estava com o João Calado e com o Jody e numa das caídas eles deram-me a possibilidade da prioridade de cair na água. Ao segundo ou terceiro mergulho enquanto estou a nadar pelo fundo vejo a corvina parada a fiar água, com a cabeça virada para a corrente, a uns 5 metros de mim. Nadei na sua direcção para me aproximar e quando ela se preparava para arrancar disparei. Com bastante sorte à mistura e com a ajuda do Jody conseguimos felizmente embarcar o peixe. Infelizmente não consegui apanhar os maiores peixes que já vi mas ainda tenho tempo.

Conte-nos um pouco da história da captura que mais prazer lhe deu capturar, até aos dias de hoje.

Não sei se foi a que me deu mais prazer mas foi sem duvida muito marcante quando apanhei o meu primeiro peixe à pesca submarina.

Nas águas Portuguesas, qual a zona preferencial do André para pescar e porquê?

Hoje em dia gosto sobretudo de pescar em zonas de costa selvagens e onde veja pouca gente. Ter o privilégio de estar no mar a praticar uma actividade que me continua a dar muito prazer sozinho ou com um amigo ou barqueiro e apanhar uns peixes para comer é para mim o melhor da pesca.

O que seduziu o André para enveredar pela Pesca Submarina de competição?

Lembro-me de ler no Mundo Náutico, à muitos anos atrás, uns artigos sobre algumas competições escritos pelo Luis Quinta, creio. Esse foi o primeiro contacto que tive com competições e lembro-me perfeitamente do artigo do Europeu em Peniche, em 93, ganho pelo Vinã onde o Miguel Aires fez 2º ou 3º lugar no segundo dia de prova com uma pesca linda. Desde essa altura, com 13 anos, que tive esses pescadores como referência e meti na minha cabeça que um dia seria eu a representar Portugal e dar todo o meu esforço e dedicação para honrar a “camisola”.

Qual, quando, e como decorreu a sua primeira prova oficial na modalidade?

Foi em 1998 no campeonato de 3ª categorias que foi disputado num fim de semana em Cascais. Ganhei, sem saber como, o primeiro dia e no segundo dia apesar de muito mais complicado consegui apanhar os peixes suficientes para ficar em 1º. Lembro-me de competirem mais de 100 atletas numa prova com saída de terra e não estava nada á espera de conseguir aquele resultado.

À medida que o André foi crescendo na modalidade, calculamos que à semelhança de todos os jovens, teve os seus ídolos, quais foram eles? Teve a oportunidade de se cruzar com algum deles? Se sim, como foi esse encontro?

A primeira pessoa que me ajudou foi um vizinho meu, o Fernando Costa, que já era bastante experiente e que assim que eu percebi isso nunca mais o larguei. Com certeza que ele devia sofrer um bocado com as minhas perguntas mas as suas histórias e fotografias fizeram com que eu quisesse mais. Mais tarde tive a sorte de conhecer e ter a possibilidade de mergulhar com grande parte das minhas referências. Na altura o António Bessone Basto levou-me para a equipa de pesca submarina do Sporting e aí conheci o Toninho, o Miguel Aires, o Paulo Alves, o Luís Paixão, entre outros que fui conhecendo durante as competições, incluindo vários campeões do mundo. Até hoje aprendi com todos os pescadores com quem mergulhei e será sempre assim.

Como se preparara o André antes de uma prova importante?

Dependendo da prova o planeamento pode começar alguns meses antes. Vejo onde será a prova e se já conheço minimamente alguma das zonas, as marés para a data marcada para o campeonato e começo sobretudo a preparar-me mentalmente e a focar-me no que tenho de fazer para que na data marcada esteja o mais treinado possível. Traço um plano mental e tento não fugir muito apesar de muitas vezes não o conseguir cumprir na totalidade.

Pedíamos ao André para descrever o que sentiu na primeira vez que representou Portugal numa competição internacional e qual foi essa competição?

Senti-me orgulhoso por ter a possibilidade de dar o meu máximo e de representar o meu País. O campeonato foi um Euro-Africano em Sagres e fui para dentro de água com o Toninho e com o Rui Torres que era algo que só poderia acontecer em sonhos.

O André sagrou-se Campeão Nacional de Pesca Submarina, no passado mês de Julho, em Peniche, pela 6ª vez. Que significado teve este 6º título Nacional para o André?

Todos os campeonatos que ganho são para mim muito marcantes. Esforço-me muito e quando tenho a sorte de ganhar fico naturalmente contente. Este campeonato foi muito disputado e foi curiosamente disputado no local onde ganhei o meu primeiro em 2003. Nos últimos 3 anos apesar de me esforçar sempre de igual forma o Jody foi mais forte em todos eles e como não estou a ficar mais novo era natural que pensasse que se calhar, apesar do esforço, e da experiência já não era capaz. Tenho consciência que os últimos campeonatos perdi por muito pouco mas faltou-me sempre algo. Foi bom ganhar mas sem dúvida que a minha maior motivação é o desafio de competir com alguns super atletas.

Dos seis títulos Nacionais conquistados pelo André, 2003, 2004, 2008, 2009, 2013 e 2017, qual destacaria e porquê?

O primeiro. Foi o concretizar de um sonho de criança. Em todos os que participei, aprendi muito, sobretudo nos que não ganhei.

O André já participou em diversas competições nacionais e internacionais, pelo que gostaríamos de questionar que outros títulos destacaria da sua carreira de competição e porquê?

Acho que não tenho nenhum resultado de grande destaque. Fiquei contente de ter ganho o segundo dia do Mundial na Venezuela, em 2008, depois do primeiro dia ter sido uma desgraça o que me permitiu acabar em 6º da geral.

Qual foi o ponto alto da sua carreira de competição que considera ter atingido?

Nenhum. Eu faço competição pelo desafio que é para mim e para tentar melhorar.

Qual foi a chave para ganhar os títulos que arrecadou?

Não existe chave nenhuma. Em primeiro lugar continuo ao fim destes anos de prática a gostar muito de andar dentro de água e a minha motivação é o desafio que representa para mim e o de competir com alguns super atletas.

Em 2003, logo a seguir ao primeiro título Nacional, o André conseguiu uma das suas melhores classificações, um 2º lugar a título individual em representação de Portugal, no 24º Campeonato Euro-Africano de Pesca Submarina. Este lugar no pódio foi-lhe posteriormente retirado por desclassificação, pode-nos contar o que se passou durante essa prova?

Já lá vão 15 anos e isso para mim faz parte do passado. Desde então já ganhei mais 5 campeonatos nacionais e já representei Portugal por diversas vezes. O meu foco está nos próximos desafios e o passado está onde deve estar.

O André, devido à sua participação em provas internacionais e não só, já teve oportunidade de pescar em diferentes países, continentes e oceanos, pelo que gostaríamos que nos enumerasse alguns dos sítios que mais gostou de pescar, porquê, e os comparasse um pouco com a costa Portuguesa.

Felizmente já tive esse privilégio. Ainda hoje das coisas que mais prazer me dá dentro de água é mergulhar em sítios novos. De entre os locais que mergulhei fora de Portugal destaco a Venezuela pela riqueza e tamanho do peixe e o Peru pois são condições de mar muito diferentes do que já tinha visto.

O próximo Campeonato Mundial de Pesca Submarina, em 2018, vai ter lugar em Sagres, Portugal. Segundo o André, somos favoritos a vencer esta competição e poderemos ver o André a competir?

Acho que qualquer país que jogue em casa tem sempre possibilidades de fazer uma boa classificação. Pessoalmente gostaria de estar em boa forma e de estar entre os escolhidos para integrar o grupo de trabalho.

O que podemos esperar do André Domingues, futuramente, na pesca Submarina de competição?

O tempo o dirá. Já são muitos anos a competir e naturalmente a motivação já não é a mesma do que quando comecei. Mais do que competir espero poder transmitir o pouco conhecimento que adquiri não só através da competição mas também através dos mais de 20 anos de mergulho. Estou a arrancar com uma escola de pesca submarina e Apneia e espero poder partilhar com quem quiser tudo o que aprendi.

O André faz parte da equipa oficial da Pathos em Portugal. Como surgiu esta oportunidade e como este tipo de parcerias podem ajudar um atleta de competição?

O patrocínio da Pathos surgiu através do meu contacto para com a marca. Esta é sem dúvida uma marca de referência a nível mundial na pesca submarina e como, na altura, eu estava sem nenhum apoio entrei em contacto com eles que me receberam de braços abertos e actualmente trabalho com a distribuição da marca para Portugal. Naturalmente que para poder competir, onde normalmente gastamos um pouco mais de material ao longo do ano, esta é para mim uma grande ajuda.

Que outros apoios tem para competir?

Felizmente tenho o privilégio de ter poucos mas bons apoios que me permitem, hoje em dia, competir. A Grow, empresa distribuidora da Honda Marine, em Portugal, sempre me apoiou e hoje em dia é o meu principal patrocinador. O Peter Café Sport, a Oeiras Marina, a Spearland e a Pathos completam a minha lista de apoios e é graças a todos eles que ainda posso competir. Aproveito a possibilidade para agradecer a todos eles.

Recentemente o André divulgou um novo projecto, a Spearland. Quais são os objectivos deste novo projecto e qual é o papel do André no mesmo?

A Spearland nasce sobretudo da vontade de transmitir conhecimentos aos pescadores submarinos de hoje e se possível às próximas gerações mostrando a pesca submarina de forma consciente e sustentável. Estamos já com o primeiro curso de pesca submarina e apneia marcado para o final de Março e contamos fazer muitos mais.

Como já tinha alguma experiência na área do comércio achamos que faria sentido cimentar as relações comerciais já existentes e criar novas. De momento trabalhamos quase exclusivamente com a PHATOS e com a XT DIVING PRO para Portugal mas temos mais algumas novidades para breve.

Convido desde já todos os leitores a visitar a nossa loja online e a contactarem-nos em caso de alguma questão.

O André foi parte integrante da equipa que criou o documentário “Inhale – The Azores in one breath”, sobre pesca submarina no arquipélago dos Açores. O que os levou a criar este documentário?

A ideia surgiu de pudermos partilhar os momentos únicos que passávamos debaixo de água. Tínhamos muitas histórias mas queríamos transmiti-las em imagens e foi assim que surgiu a vontade.

A aceitação do Inhale por parte da comunidade, e não só, excedeu as vossas expectativas?

Sem dúvida. O feedback que tínhamos das pessoas mais próximas era muito bom mas não fazíamos ideia que a aceitação no mundo todo seria tão grande. No primeiro dia que lançamos o “trailler” tivemos mais de 8000 partilhas o que é bastante significativo.

Haverá planos para um Inhale 2, ou outro projecto neste âmbito, que nos possa revelar?

Haveria planos para um pouco mais mas acho que o documentário da forma como está estruturado se esgota.

O André conhece bem os Açores, inclusive foi nos Açores que viveu alguns anos da sua vida. Qual é a opinião do André relativamente aos Açores para a Pesca Submarina?

Os Açores são dos locais mais bonitos do mundo e mais ricos para pesca submarina onde dependendo da altura do ano e do tipo de pesca praticada podemos ver uma grande variedade de espécies.

Na opinião do André, temos bons pescadores submarinos em Portugal em bom número?

Sem dúvida. As nossas condições de mar na minha opinião não são fáceis. Temos muitas vezes força de mar, visibilidades reduzidas, e apesar de haver peixe ao início é muito difícil perceber o que se deve fazer. Acho que esta conjugação de factores faz com que tenhamos pescadores muito apurados no instinto.

Como vê o André o panorama actual e futuro da Pesca Submarina em Portugal?

Actualmente acho que o número de pescadores em Portugal é estável, mas claro que gostava de ver crescer o número de praticantes. Quanto ao futuro acho que podem e devem ser feitas muitas coisas que ajudem a divulgar e promover a pesca submarina como um método de pesca totalmente sustentável e seguro.

Qual o principal problema, pelo ponto de vista do André, que impede o surgimento de mais jovens no circuito competitivo, que garantam a continuidade do mesmo?

Acho que a falta de promoção e divulgação da modalidade com uma imagem atual é o que, neste momento, condiciona a vinda de jovens para a competição.

Qual a opinião do André relativamente às condições disponíveis aos pescadores submarinos, que temos em Portugal, quando comparamos com Espanha, por exemplo?

Ao nível de tipos de pesca acho que temos condições idênticas pois temos o continente e temos também as ilhas á semelhança do que acontece em Espanha. A nível de apoios para a competição a diferença é muito grande.

Na sua opinião, qual é a principal qualidade que faz um bom Pescador Submarino?

Gostar muito do que faz, saber observar, saber ouvir, ter a humildade para aprender e mergulhar o maior número de vezes com as mais variadas condições de mar.

Que conselhos e mensagem o André gostaria de transmitir a quem está a começar a Pesca Submarina?

Procurem alguém com alguma experiência que tenha vontade e disponibilidade para os ajudar a dar os primeiros passos. Dessa forma o conhecimento será passado de forma mais segura e rápida. Se tiverem possibilidade tirem um curso de apneia para aprender os princípios básicos do mergulho livre. Desfrutem e valorizem o privilégio que é poder mergulhar em apneia e apanhar a própria comida.

A equipa do PortugalSub agradece ao André toda a sua disponibilidade para nos revelar um pouco mais sobre si e da sua ligação especial ao mar e a esta modalidade de todos nós. Obrigado André Domingues.

Fotos: Facebook do André Domingues, swell-algarve e Facebook do Inhalespearfishing

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